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domingo, 3 de março de 2013

Tão certinhos que nós somos.

A prof. Fernanda Palma mantém uma coluna no Correio da Manhã, intitulada  Sentir o Direito. Em regra, aborda questões de Direito Penal e devo reconhecer que se trata de uma coluna útil, visto que a professora utiliza uma linguagem simples e os assuntos, mais ou menos pertinentes e oportunos, são tratados com o claro propósito de esclarecer os leitores do Correio da Manhã. Hoje, a professora Fernanda Palma decidiu escrever sobre a lei 46/ 2005, ou melhor, sobre futilidades que têm vindo a público a propósito da Lei 46/2005. Sim. É a tal da limitação dos mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais. Curioso, A senhora Professora diz nada.  Decide escrever sobre uma questão de grande oportunidade e com repercussões políticas evidentes. E nada diz. Não dá a sua opinião. Não nos diz que princípios e elementos devem ser levados em conta para interpretar esta e todas as outras leis. Nada. Porquê? Conta as pequenas e ociosas histórias do "da" e do "de", como se este patético pormenor gramatical tivesse alguma importância na interpretação desta norma. Fala-nos das duas interpretações que têm vindo a público e diz-nos que ambas são possíveis. Claro que sim, senhora professora. São possíveis essas duas como outras quinhentas. Mas sabe uma coisa? Quer verdadeiramente saber? Só uma,- repito -só uma, das duas ou das quinhentas  - é científicamente correcta. Era isto que V. Exª poderia e deveria ter dito enquanto cidadã e enquanto professora de Direito. Só uma é cientificamente correcta. E é correcta aquela que respeite as regras do artº 9º do Código Civil Português, que diz isto: " artigo 9º- Interpretação da lei. 1- A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2.... 3....". Numa palavra, a ratio legis é o elemento hermenêutico determinante. O "de" ou o "da" nada significam no caso presente. Qualquer cidadão minimamente informado e conhecedor das circunstâncias que levaram à aprovação desta lei ( ocasio legis) e do propósito legislativo ( que não do legislador) sabe, lendo o artº 9º, cujo nº 1 transcrevemos, que é à presidência da câmara e da junta de freguesia ( de todas as câmaras e de todas as juntas de freguesia do País) que a lei se refere. Tanto assim é que a única proibição se reporta ao 4º mandato sucessivo ( e com a excepção de estar no 3º mandato aquando da aprovação da lei). Qualquer outra interpretação é incorrecta. é oportunista e é fraudulenta. Esperemos que os Juízes a quem já foram submetidos alguns "casos" a este respeito, tenham a coragem e o rigor de afirmar esta verdade insofismável: os "salta-pocinhas" e respectivos partidos cometem uma fraude à lei quando querem aproveitar-se do que dizem ser uma falta de clareza. Mas é preocupante e nunca deixará de ser preocupante, este temor reverencial perante o oportunismo dos partidos políticos que tudo fazem para tirar partido da má legislação que propositadamente "produzem" na Assembleia da República. É preocupante esta "descalcificação" da coluna vertebral que contaminou o País inteiro. Tal como sucede com o governo perante a troika, também pessoas com responsabilidades sociais manifestam um medo do poder que é preocupante para todos e vergonhoso para as instituições e para o Estado de Direito. Eis a primeira razão para explicar as calamidades que hoje vive a sociedade portuguesa. Tão certinhos que nós somos! Tão bem comportados! Sempre à espera das migalhas do poder! Esperava mais de uma professora da minha faculdade.

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