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segunda-feira, 30 de março de 2020

Vai uma aposta?

Em Novembro de 2013, assisti a uma conferência e debate em Bruxelas, promovida pela Comissão da UE com o tema Assises de la Justice. Era comissária da Justiça e vice-presidente a Luxemburguesa Vivianne Reding. Rui Tavares era então euro-deputado e foi um dos oradores no segundo dia da conferência. Para não ser desagradável, direi apenas que senti algum constrangimento com a falta de qualidade e de arrojo do Senhor euro-deputado. Mas senti o mesmo com a intervenção da convidada Paula Teixeira da Cruz, então Ministra da Justiça de Portugal. Estas duas intervenções foram medíocres, banais, sem fôlego ou arrojo, ao contrário de muitas outras e particularmente das de Vivianne Reding que aí confirmou plenamente  a sua lucidez e tenacidade insistindo que a Europa precisava de quem pensasse e agisse "fora da caixa". 
Curiosamente, o ex-eurodeputado Tavares, a quem devemos o conhecido fenómeno Joacine escreveu um artigo no Público do dia 27 intitulado Com Alemanha ou sem, avancem com os Eurobonds. Aqui está um conselho em jeito de comando determinado e audaz. Não resisto a transcrever os dois primeiros parágrafos:
"Desde 2012 que os leitores desta crónica sabem uma coisa: não precisamos da Alemanha para emitir eurobonds- títulos de dívida comum a vários países da zona euro. Ontem, os leitores do colunista Wolfgang Munchau, do Finantial Times, também o ficaram a saber. Pode ser que agora os eurocéticos portugueses comecem a prestar atenção.
" Como se sabe, os países da zona euro têm uma moeda comum mas têm dívidas separadas. Isto torna o euro uma bizarria face a moedas como o dolar, e a zona euro uma bizarria face a outras uniões monetárias como os EUA". 
UFF! É extraordinário. Sem pretensões "estruturalistas", aí vai: os leitores do Senhor Tavares sabem coisas desde 2012 que os do Financial Times, designadamente, só agora souberam. Não é fantástico?  O facto de o euro ser comum a muitos Estados da UE é uma bizarria, face a moedas como o dólar e a a zona euro uma bizarria face a outras uniões monetárias como os EUA. Extraordinário! Ó Senhor Tavares, os EUA são um Estado Federal, uma união política, como a Alemanha e tantas outras. Não são uma união monetária. Não seria bom ler alguma coisa sobre a teoria da integração, Senhor Tavares? O que fez durante o seu mandato europeu? Já agora: olhe que o dólar é nome de moeda de vários estados soberanos. Já ouviu falar do Canadá e do dólar canadiano?
Vamos ao que importa. Descontando as embrulhadas do citado "colunista"o artigo apanha a embalagem da oportunista e propalada "desintegração" do último Conselho Europeu. Os tais nove Estados que querem os eurobonds aproveitaram a epidemia coronavirus para divulgarem a título de ameaça: (i) ou se mutualizava a dívida com os eurobonds ou (ii) eles batiam à porta da desintegração europeia. Celebrizou-se uma expressão muito democrática e muito educada, - como é costume, -  do António Costa: repugnate, (o discurso ou posição do Ministro Holandês das Finanças); Não temos disponibilidade para ouvirmos ministros das Finanças Holandeses. (Alusão a Joroen Dijsselbloem), seu compadre socialista e antecessor do mago Centeno no chamado eurogrupo). A UE tem as costas largas. Nada faz quando deveria agir rapidamente e em comum. Pelo que nos parece, a Senhora Merkl, para esta mesma gente, reincarnou o papel do diabo depois de ter assumido, com a questão dos refugiados- e não só- o papel de estadista/mutter generosa, determinada e simpática.
Declaração de interesses: sou europeista e federalista. Logo, gostaria que a UE caminhasse para uma União Política. Mas está muito longe de "mutualizar" a maioria das suas políticas! O euro não é sequer comum a todos os países membros da UE.
A UE nada faz? Então os empréstimos que resgataram vários países membros, designadamente Portugal, nada foram? Nada são? Então a actual disponibilidade do Banco Central Europeu para comprar privilegiada e ilimitadamente toda a dívida emitida pelos estados membros não é nada? Os 750mil milhões de euros  de apoio disponibilizados pela UE não são nada? A eliminação de limites orçamentais e até de regras de concorrência não é nada? Poderíamos ir mais longe? É verdade. Poderíamos. Mas não deveremos esquecer que à UE, no estado de integração em que se encontra, compete-lhe sobretudo coordenar as politicas dos estados membros. A capacidade de decisão dos órgãos verdadeiramente comunitários ( Comissão e Parlamento) é limitada, naturalmente. O Conselho, como do nome resulta, é o órgão colectivo de todos os estados membros. Logo, deve-se a todos a decisão, porque assim entenderam. No último Conselho nove Estados mostraram-se favoráveis à mutualização da dívida. Mas os estados membros são 27. Em democracia há maiorias e minorias.  Neste caso, como é sabido, o Conselho delibera até por unanimidade. Não podemos ser democratas apenas quando os outros concordam connosco, como é habitual nas esquerdas a que o colunista Rui Tavares pertence ou parece pertencer. O seu narcisismo e vontade oportunista de determinar a verdade e a razão não têm limites para essa esquerda.
A mutualização da dívida dos países da UE é um assunto muito sério. Para além de indispensáveis cautelas para que uns estados não se endividem responsabilizando todos os outros, com eurobonds ou quaisquer outros instrumentos financeiros, este passo exige a transferência para a UE de poderes de soberania. Isto é, exige passos significativos na direcção de uma União Política.
Voltemos ao conselho /comando  do colunista. É possível, claro, avançar com um projecto europeu de coordenação reforçada. Muita gente o sabe e não só os seus leitores. Mas não é isso que os defensores acérrimos da mutualização da dívida à "trouxa mocha" querem. Melhor: os estados que enumera não querem eurobonds sem que a Alemanha participe. Por razões óbvias. Por isso, não avançarão com os eurobonds, apesar de saberem que é possível a tal coordenação reforçada.
Vai uma aposta?

















quinta-feira, 19 de março de 2020

Estado de Emergência....porque somos portugueses!

E pronto. Mais uma figura jurídica como panaceia para circunstâncias efectivamente muito graves. O Senhor Presidente da República cedeu à histeria dos habitués - e são muitos - que julgam "curar" tudo, social e economicamente com chavões e normas jurídicas. Reconhecendo que a medida não agrada a todos os portugueses. Mas invocando os nove séculos de história, por duas vezes pelo menos, num discurso escrito há muitas horas, seguramente. Muitas horas antes da discussão e aprovação da medida pela Assembleia da República. Nove séculos de história! E muito, muito nacionalismo, para que o populismo não ficasse em quarentena. Ora, este surto do chamado coronavirus, ou CoVid-19 é internacional, é de toda a humanidade exige a coordenação de todos os Estados. É profundamente errado e inconsequente invocar nacionalismos estultos ou simplesmente patéticos. Ouvi, por mero acaso, um debate na TVI com Fernando Medina, Sousa Tavares, Ferreira Leite, Garcia Pereira e o Senhor Conselheiro de Estado Lobo Xavier.  A posição patética do Senhor Conselheiro  foi tão evidente que reproduzo apenas um àparte de Fernando Medina: eu nem percebi o que o  Lobo Xavier quis dizer. Não está só Medina. Eu também não. É evidente aquilo que disse: nenhuma guerra foi ganha sem uma boa logística de apoio. É essencial coordenar esforços para continuarmos a produzir e podermos aliviar o esforço que já é pedido ao SNS. E muito mais será pedido. Ninguém percebeu o Senhor Conselheiro. Pela simples razão de que, nestas circunstâncias, é patético elogiar o comportamento cívico exemplar dos portugueses e decretar o estado de emergência. Mas quero fazer aqui uma referência a um ponto jurídico referido pelo Garcia Pereira, apesar da sua posterior mas habitual divagação política. Referiu, e bem, que o decreto presidencial era vago, permitindo que ulteriores diplomas legais preenchessem os vazios. Isto é, consentiu e consente o decreto presidencial que haja uma degradação normativa juridicamente perigosa.
Pelo que li, a fórmula verbal mais utilizada no decreto é pode. Pode o Governo ...Trata-se de uma carta em branco. Enfim, esperemos que nada aconteça de irremediável. Se não é seguramente o estado de emergência que resolverá o gravíssimo problema da disseminação do virus, esperemos que não tenha hipotéticos efeitos perversos. Porque, ao contrário do que os Senhores Presidente e Primeiro Ministro afirmaram, o estado de emergência suspende efectivamente a democracia. Só quem pense que a democracia se resume aos actos eleitorais é que poderá pensar que ela vigora em pleno com a suspensão ou limitação de direitos fundamentais. Porque há um lapso democrático, a medida é injuntivamente de curto prazo, 15 dias eventualmente prorrogáveis, como é sabido. Nestas circunstâncias, cabe à oposição e a todos nós ser muito vigilantes.  Mas, por muito que nos custe dizê-lo, os portugueses são habitualmente conformistas. Sejamos vigilantes para denunciarmos eventuais abusos, sempre à espreita quando o poder não é controlado. Em rigor, o poder já é frequentemente abusador entre nós e em circunstâncias normais. Por maioria de razão quando os poderes são excepcionais. E deixemos-nos de nacionalismos estultos porque o inimigo, neste caso, é a natureza, ainda que sob a forma macabra de um vírus. Que só venceremos se não permitirmos que ele se reproduza num outro que nos pode paralizar: o medo.