Participei há anos num debate informal cujo tema era interessante e sedutor: O sagrado e a Justiça. Decorreu no Botequim, enquadrado pela ironia fina e magistral de Natália Correia. Por ela, seguramente, fez questão de estar presente o então Ministro da Justiça, Laborinho Lúcio. O
Código de Processo Penal fora publicado há menos de um mês. Lembro-me de ter aproveitado uma deixa de Laborinho Lúcio para questionar a oportunidade perdida por não ter sido bem mais restringido o princípio inquisitório. Enfim o debate perdia fulgor com as sempre maçadoras questões jurídico-processuais. Mas o sentido de oportunidade de Natália Correia salvaria - como habitualmente - a vertente magicamente culta e divertida do tema. Foi então que, durante uma boa meia hora, Natália discorreu sobre o tema, conseguindo brilhantes elos de ligação entre o sentimento da Pátria, que para ela deveria ser Mátria, e o então desafio que ironicamente apregoava com frequência do facto de sermos todos hespanhóis.
Tem-me ocorrido a provocatória mas extraordinária dissertação de Natália nesse encontro - e noutros entre petiscos e beberagens - a propósito da chamada crise catalã, que aí não foi especificada, naturalmente. Estavamos longe de imaginar as circunstâncias e talvez o eficaz populismo de Carles P., Junqueras, Forcadell & Cª.
Saberão uns e outros, talvez menos a Cª, que um Condestável do Reino de Portugal, de seu nome Pedro, filho do infante e regente do mesmo nome, foi convidado pelo Concelho de Cem para liderar a luta catalã contra João II de Aragão? Foi proclamado Conde de Barcelona e, ao que parece, intitular-se-ía Rei da Catalunha e de Valência e Senhor de Maiorca e da Cerdenha.. Enfim. A guerra trouxe alguns revezes a D. Pedro, o português que liderou as forças catalãs na guerra contra Aragão de que fazia parte, como se sabe. D. Pedro era neto de Jaime II de Urgel, pela mãe, é claro. E também foi escritor: citamos a sátira Felice e Infelice vida para justificar o título. Ora, Aragão era então uma região, melhor, um dos vários reinos peninsulares. Segundo alguns, a luta catalã já então passaria por reivindicar autonomia, ou talvez melhor, preponderância. Enfim. Apesar de ser um dos agentes do processo de centralização iniciado pelos Reis Católicos ( Isabel de Castela e Fernando de Aragão), esta coroa só seria extinta formalmente em 1715 com o 4º decreto da Nova Planta. Foi extinta a Generalitat, foram extintas as Cortes e o Concelho de Cem, as vaguerias foram convertidas em corregedorias e o vice-rei ( imagine-se!) foi substituído por um capitão-general. A língua administrativa passou a ser o castelhano.
Ponderado este laivo de pequena história e as circunstâncias actuais, apetece perguntar: tendo agora Generalitat, parlamento e sendo até o catalão uma língua oficial, que mais poderão querer os Catalães? Cito, uma vez mais, um professor universitário de Barcelona que ouvi numa TV. Perguntava a moderadora: - mas se é assim ( mentiras e populismo) como explica que tanta gente ainda vote nos independentistas? - Não sei. Talvez as pessoas gostem mesmo de ser enganadas. Eis a enganada Cª e os enganadores dirigentes. Será assim? Será esta a democracia com que enchem a boca? Como se o sistema representativo de governo se resumisse aos actos eleitorais?
A ver vamos,como diz o cego. Estamos a pouco mais de uma semana da prova dos nove.
Sem comentários:
Enviar um comentário