E pronto. Mais uma figura jurídica como panaceia para circunstâncias efectivamente muito graves. O Senhor Presidente da República cedeu à histeria dos habitués - e são muitos - que julgam "curar" tudo, social e economicamente com chavões e normas jurídicas. Reconhecendo que a medida não agrada a todos os portugueses. Mas invocando os nove séculos de história, por duas vezes pelo menos, num discurso escrito há muitas horas, seguramente. Muitas horas antes da discussão e aprovação da medida pela Assembleia da República. Nove séculos de história! E muito, muito nacionalismo, para que o populismo não ficasse em quarentena. Ora, este surto do chamado coronavirus, ou CoVid-19 é internacional, é de toda a humanidade exige a coordenação de todos os Estados. É profundamente errado e inconsequente invocar nacionalismos estultos ou simplesmente patéticos. Ouvi, por mero acaso, um debate na TVI com Fernando Medina, Sousa Tavares, Ferreira Leite, Garcia Pereira e o Senhor Conselheiro de Estado Lobo Xavier. A posição patética do Senhor Conselheiro foi tão evidente que reproduzo apenas um àparte de Fernando Medina: eu nem percebi o que o Lobo Xavier quis dizer. Não está só Medina. Eu também não. É evidente aquilo que disse: nenhuma guerra foi ganha sem uma boa logística de apoio. É essencial coordenar esforços para continuarmos a produzir e podermos aliviar o esforço que já é pedido ao SNS. E muito mais será pedido. Ninguém percebeu o Senhor Conselheiro. Pela simples razão de que, nestas circunstâncias, é patético elogiar o comportamento cívico exemplar dos portugueses e decretar o estado de emergência. Mas quero fazer aqui uma referência a um ponto jurídico referido pelo Garcia Pereira, apesar da sua posterior mas habitual divagação política. Referiu, e bem, que o decreto presidencial era vago, permitindo que ulteriores diplomas legais preenchessem os vazios. Isto é, consentiu e consente o decreto presidencial que haja uma degradação normativa juridicamente perigosa.
Pelo que li, a fórmula verbal mais utilizada no decreto é pode. Pode o Governo ...Trata-se de uma carta em branco. Enfim, esperemos que nada aconteça de irremediável. Se não é seguramente o estado de emergência que resolverá o gravíssimo problema da disseminação do virus, esperemos que não tenha hipotéticos efeitos perversos. Porque, ao contrário do que os Senhores Presidente e Primeiro Ministro afirmaram, o estado de emergência suspende efectivamente a democracia. Só quem pense que a democracia se resume aos actos eleitorais é que poderá pensar que ela vigora em pleno com a suspensão ou limitação de direitos fundamentais. Porque há um lapso democrático, a medida é injuntivamente de curto prazo, 15 dias eventualmente prorrogáveis, como é sabido. Nestas circunstâncias, cabe à oposição e a todos nós ser muito vigilantes. Mas, por muito que nos custe dizê-lo, os portugueses são habitualmente conformistas. Sejamos vigilantes para denunciarmos eventuais abusos, sempre à espreita quando o poder não é controlado. Em rigor, o poder já é frequentemente abusador entre nós e em circunstâncias normais. Por maioria de razão quando os poderes são excepcionais. E deixemos-nos de nacionalismos estultos porque o inimigo, neste caso, é a natureza, ainda que sob a forma macabra de um vírus. Que só venceremos se não permitirmos que ele se reproduza num outro que nos pode paralizar: o medo.
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