Publicou o Expresso Diário de 22 de Março de 2012
um artigo de opinião assinado pela Senhora Deputada Francisca Almeida (que o portal Sapo reproduziu durante algumas
horas) intitulado “Ainda o Estágio à
Ordem dos Advogados”. Pelo que conseguimos entender, o artigo terá sido
suscitado pela entrada na Assembleia da República da Proposta de Lei sobre o
Novo Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado em Conselho de Ministros, “mas que terá passada despercebida pela relevância
política e pelo mediatismo dos acontecimentos desta semana” ( são palavras
da Senhora deputada). A falta de rigor e as incorrecções do texto são da maior
gravidade e demonstram bem a razão pela qual os Senhores Deputados que integram
o órgão legislativo por excelência têm produzido legislação medíocre, quer na
forma quer na substância, com objectivos por vezes obscuros e sobretudo
inteiramente desenquadrada da realidade nacional que deveria informar e determinar
todo o sistema jurídico.
Não queremos ser desagradáveis. Desde logo, porque é
timbre de qualquer advogado tratar todos os cidadãos com urbanidade e educação.
Mas o desconhecimento e a falta de rigor têm limites. Atentemos no título: “Ainda o Estágio à Ordem dos Advogados”.
Existe e existirá um estágio facultado pela Orem dos Advogados que tem por
objectivo aprofundar a formação dos advogados estagiários, na sua vertente prática de forma a que estes possam exercer
condignamente a profissão. Trata-se de um estágio da Ordem dos Advogados e não
de um estágio à ordem dos advogados.
Pelo título se entende, desde logo, que a Senhora deputada não reflecte, nem
tem o mínimo cuidado com aquilo que escreve. Deve confundir o Estágio da Ordem com qualquer título de
credito á ordem. Tal perspectiva origina
desde logo as confusões categóricas
que perpassam o resto do texto, mas também a falta de informação e de bom
senso.
Mas comecemos por aquilo em que a Senhora deputada parece
estar informada: o Conselho de Ministros
terá alterado todas as propostas e ante-projectos de lei – do Ministério da
Justiça – onde se distinguiam os licenciados em Direito antes e após o processo
de Bolonha. Alterou para pior. Do artº
193º da proposta de lei 309/XII, resulta agora que a licenciatura em Direito é habilitação suficiente para a inscrição no
estágio ou tirocínio. Todas as anteriores versões do “diploma” que esteveram
em discussão pública distinguiam as licenciaturas. Correctamente. Por isso se
exigia – esperemos que o bom senso nos faça regressar a essa exigência na
versão final – o Mestrado para aqueles casos que completassem a licenciatura
após o processo de Bolonha. Naturalmente. A licenciatura anterior ao processo
de Bolonha tinha 5 anos e a licenciatura posterior a Bolonha tem 4 anos. Agora.
Esperemos que a concorrência entre as
Faculdades não venha a descer ainda mais a fasquia. Tudo é possível num
mundo que se envaidece com arrogantes
facilidades e privilégios e onde o mérito é motivo de despeito e de ironia.
Justiça é tratar de forma igual aquilo que é
igual e de forma diferente o que é diferente. As licenciaturas são diferentes.
Devem ser tratadas diferentemente. Nenhum país da União Europeia implementou o
chamado processo de Bolonha de forma a diminuir de tal forma as exigências da
licenciatura em Direito.
Mas não se trata apenas de Justiça. Trata-se também e
sobretudo do dever inalienável da
Ordem dos Advogados para com a sociedade em garantir que a advocacia seja exercida por
profissionais idóneos e bem preparados para representarem e defenderem
condignamente as pessoas e os bens dos
seus concidadãos. Trata-se da defesa da cidadania, em suma. Estão hoje
inscritos na Ordem 31.000 advogados. O número de advogados por habitante é
muito superior em Portugal ao de qualquer outro País da União Europeia ou mesmo
da Europa. Esta realidade – de que a OA não está isenta de responsabilidades
por negligência e falta de planeamento – determinou uma verdadeira proletarização da profissão de advogado.
Não há princípios que resistam a esta proletarização. Eis o risco tremendo de
desconhecer a realidade.
Esperemos que a alteração seja corrigida pelos Senhores
deputados. Se ela passar, então a advocacia transformar-se-á no caixote do lixo das profissões jurídicas. O
Estado exige a licenciatura e o mestrado aos juízes, por exemplo. Para além de
um estágio bem mais longo e quiçá mais exigente do que o actualmente existente
e o perspectivado para os advogados. Honra seja feita ao CEJ. Mas não há nem
pode haver sistema de Justiça digno desse nome num Estado de Direito sem uma
advocacia devidamente preparada. Isto resulta inequivocamente das normas
constitucionais. Uma escolaridade adequada e um estágio rigoroso e exigente é
condição essencial para se assegurarem os direitos elementares da cidadania.
O estágio tem actualmente 24 meses. Propõe-se que tenha a
duração de 18 meses. Diz-se ser uma exigência da Lei das Associações
Profissionais. Formalmente assim é. A Lei comporta a possibilidade de excepções
para associações que prossigam fins de
interesse público, como sucede com a OA. Em quase todas as regras de
uniformização. Entendemos que também nesta assim poderá ser. Mas aqui, onde
quase todas as “propostas” soçobraram – há que reconhecer – a Senhora deputada
navega numa incoerência insanável: a
licenciaturas mais curtas – diz – deve
corresponder um estágio mais longo e vice-versa. Pois bem. A proposta de
lei encurta o estágio e basta-se com a licenciatura, ainda que mais curta. De
qualquer forma, a diminuição do tempo do estágio entre nós, vem à revelia de
tudo o que tem acontecido nos países da UE, e não só. Na Áustria, por exemplo,
o estágio atinge 4 anos. E o mesmo sucede na Alemanha. Até em Espanha, onde
tudo era tão simples que licenciados noutros Estados Membros aproveitavam estas facilidades e os
princípios de livre circulação para aí se inscreverem, reviu – e bem - as
exigências do estágio de advocacia de modo a compatibilizar as suas exigências
com as de outros Estados Membros da EU.
Julga a Senhora deputada que o “Estágio á Ordem dos Advogados” além de prolongado, é também caro e teórico. Exprime a opinião de que o
patrono deve ter um papel relevante nesse mesmo estágio. Desconheço quando e
como a Senhora Deputada fez o seu estágio. O Estatuto ainda em vigor atribui ao
patrono um papel essencial em todo o
tempo de estágio. Há anos que assim é. As orientações e a prática dos centros
de estágio da OA vão no sentido de a formação ser eminentemente prática: elaboração de peças processuais, análise da
tramitação processual, quer em 1ª instância, quer nos tribunais superiores,
para além- repete-se – do imprescindível trabalho nos escritórios do patrono.
O
estágio é caro? Oxalá que pudesse ser gratuito. Mas não é possível,
infelizmente. Todavia, a Senhora deputada deve desconhecer os valores da Câmara
dos solicitadores, designadamente no que se refere aos agentes de execução, bem
como os emolumentos que se praticam noutras Ordens e Associações Profissionais.
A
Ordem dos Advogados nunca colocou, não coloca e não colocará, entraves artificiais à inscrição de
novos advogados. Do que não pode prescindir é da defesa da dignidade do
exercício da profissão. Em nome dos mais fracos e dos mais carenciados. Aqueles
cujo “mercado” vem arrastado por
influências politico-partidárias, nem de Direito precisam saber. Basta-lhes o tráfico de influências.
Como todo o país já se apercebeu. Em nome dos advogados estagiários e não contra eles, a OA deverá continuará a
exigir estudo, trabalho e rigor no acesso à profissão. E espera que os Senhores
deputados saibam distinguir o mérito da mediocridade que ameaça arrastar o País
para a insignificância.
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