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quinta-feira, 2 de abril de 2015

O Estágio na Ordem dos Advogados



Publicou o Expresso Diário de 22 de Março de 2012 um artigo de opinião assinado pela Senhora Deputada Francisca Almeida  (que o portal Sapo reproduziu durante algumas horas) intitulado “Ainda o Estágio à Ordem dos Advogados”. Pelo que conseguimos entender, o artigo terá sido suscitado pela entrada na Assembleia da República da Proposta de Lei sobre o Novo Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado em Conselho de Ministros, “mas que terá passada despercebida pela relevância política e pelo mediatismo dos acontecimentos desta semana” ( são palavras da Senhora deputada). A falta de rigor e as incorrecções do texto são da maior gravidade e demonstram bem a razão pela qual os Senhores Deputados que integram o órgão legislativo por excelência têm produzido legislação medíocre, quer na forma quer na substância, com objectivos por vezes obscuros e sobretudo inteiramente desenquadrada da realidade nacional que deveria informar e determinar todo o sistema jurídico.
            Não queremos ser desagradáveis. Desde logo, porque é timbre de qualquer advogado tratar todos os cidadãos com urbanidade e educação. Mas o desconhecimento e a falta de rigor têm limites. Atentemos no título: “Ainda o Estágio à Ordem dos Advogados”. Existe e existirá um estágio facultado pela Orem dos Advogados que tem por objectivo aprofundar a formação dos advogados estagiários, na sua vertente prática de forma a que estes possam exercer condignamente a profissão. Trata-se de um estágio da Ordem dos Advogados e não de um estágio à ordem dos advogados. Pelo título se entende, desde logo, que a Senhora deputada não reflecte, nem tem o mínimo cuidado com aquilo que escreve. Deve confundir o Estágio da Ordem com qualquer título de credito á ordem. Tal perspectiva origina desde logo as confusões categóricas que perpassam o resto do texto, mas também a falta de informação e de bom senso.
            Mas comecemos por aquilo em que a Senhora deputada parece estar  informada: o Conselho de Ministros terá alterado todas as propostas e ante-projectos de lei – do Ministério da Justiça – onde se distinguiam os licenciados em Direito antes e após o processo de Bolonha. Alterou para pior.  Do artº 193º da proposta de lei 309/XII, resulta agora que a licenciatura em Direito é habilitação suficiente para a inscrição no estágio ou tirocínio. Todas as anteriores versões do “diploma” que esteveram em discussão pública distinguiam as licenciaturas. Correctamente. Por isso se exigia – esperemos que o bom senso nos faça regressar a essa exigência na versão final – o Mestrado para aqueles casos que completassem a licenciatura após o processo de Bolonha. Naturalmente. A licenciatura anterior ao processo de Bolonha tinha 5 anos e a licenciatura posterior a Bolonha tem 4 anos. Agora. Esperemos que a concorrência entre as Faculdades não venha a descer ainda mais a fasquia. Tudo é possível num mundo que se envaidece com arrogantes facilidades e privilégios e onde o mérito é motivo de despeito e de ironia.
 Justiça é tratar de forma igual aquilo que é igual e de forma diferente o que é diferente. As licenciaturas são diferentes. Devem ser tratadas diferentemente. Nenhum país da União Europeia implementou o chamado processo de Bolonha de forma a diminuir de tal forma as exigências da licenciatura em Direito.  
            Mas não se trata apenas de Justiça. Trata-se também e sobretudo do dever inalienável da Ordem dos Advogados para com a sociedade em garantir  que a advocacia seja exercida por profissionais idóneos e bem preparados para representarem e defenderem condignamente as pessoas e os bens  dos seus concidadãos. Trata-se da defesa da cidadania, em suma. Estão hoje inscritos na Ordem 31.000 advogados. O número de advogados por habitante é muito superior em Portugal ao de qualquer outro País da União Europeia ou mesmo da Europa. Esta realidade – de que a OA não está isenta de responsabilidades por negligência e falta de planeamento – determinou uma verdadeira proletarização da profissão de advogado. Não há princípios que resistam a esta proletarização. Eis o risco tremendo de desconhecer a realidade.  
            Esperemos que a alteração seja corrigida pelos Senhores deputados. Se ela passar, então a advocacia transformar-se-á no caixote do lixo das profissões jurídicas. O Estado exige a licenciatura e o mestrado aos juízes, por exemplo. Para além de um estágio bem mais longo e quiçá mais exigente do que o actualmente existente e o perspectivado para os advogados. Honra seja feita ao CEJ. Mas não há nem pode haver sistema de Justiça digno desse nome num Estado de Direito sem uma advocacia devidamente preparada. Isto resulta inequivocamente das normas constitucionais. Uma escolaridade adequada e um estágio rigoroso e exigente é condição essencial para se assegurarem os direitos elementares da cidadania.
            O estágio tem actualmente 24 meses. Propõe-se que tenha a duração de 18 meses. Diz-se ser uma exigência da Lei das Associações Profissionais. Formalmente assim é. A Lei comporta a possibilidade de excepções para associações que prossigam fins de interesse público, como sucede com a OA. Em quase todas as regras de uniformização. Entendemos que também nesta assim poderá ser. Mas aqui, onde quase todas as “propostas” soçobraram – há que reconhecer – a Senhora deputada navega numa incoerência insanável: a licenciaturas mais curtas – diz – deve corresponder um estágio mais longo e vice-versa. Pois bem. A proposta de lei encurta o estágio e basta-se com a licenciatura, ainda que mais curta. De qualquer forma, a diminuição do tempo do estágio entre nós, vem à revelia de tudo o que tem acontecido nos países da UE, e não só. Na Áustria, por exemplo, o estágio atinge 4 anos. E o mesmo sucede na Alemanha. Até em Espanha, onde tudo era tão simples que licenciados noutros Estados Membros aproveitavam estas facilidades e os princípios de livre circulação para aí se inscreverem, reviu – e bem - as exigências do estágio de advocacia de modo a compatibilizar as suas exigências com as de outros Estados Membros da EU.
            Julga a Senhora deputada que o “Estágio á Ordem dos Advogados” além de prolongado, é também caro e teórico. Exprime a opinião de que o patrono deve ter um papel relevante nesse mesmo estágio. Desconheço quando e como a Senhora Deputada fez o seu estágio. O Estatuto ainda em vigor atribui ao patrono um papel essencial em todo o tempo de estágio. Há anos que assim é. As orientações e a prática dos centros de estágio da OA vão no sentido de a formação ser eminentemente prática: elaboração de peças processuais, análise da tramitação processual, quer em 1ª instância, quer nos tribunais superiores, para além- repete-se – do imprescindível trabalho nos escritórios do patrono.
O estágio é caro? Oxalá que pudesse ser gratuito. Mas não é possível, infelizmente. Todavia, a Senhora deputada deve desconhecer os valores da Câmara dos solicitadores, designadamente no que se refere aos agentes de execução, bem como os emolumentos que se praticam noutras Ordens e Associações Profissionais.
A Ordem dos Advogados nunca colocou, não coloca e não colocará, entraves artificiais à inscrição de novos advogados. Do que não pode prescindir é da defesa da dignidade do exercício da profissão. Em nome dos mais fracos e dos mais carenciados. Aqueles cujo “mercado” vem arrastado por influências politico-partidárias, nem de Direito precisam  saber. Basta-lhes o tráfico de influências. Como todo o país já se apercebeu. Em nome dos advogados estagiários e não contra eles, a OA deverá continuará a exigir estudo, trabalho e rigor no acesso à profissão. E espera que os Senhores deputados saibam distinguir o mérito da mediocridade que ameaça arrastar o País para a insignificância.

 
( publicado em Sol.PT em 25 de março de 2015

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