Começarei com uma declaração de interesses: não tenho particular simpatia por radicalismos, sobretudo de natureza político-ideológica. Há determinados radicalismos culturais com graça e algum interesse. Os de natureza político-ideológica são inúteis e até socialmente perigosos. Para deixar claro que não nutro especial simpatia pelo Syriza, Entendendo que houve bastante demagogia nas promessas que, em Janeiro, fez ao eleitorado grego. Nem o estilo pop-star de Janus Varoufakis me impressiona. Mas teve tiradas nestes últimos longuíssimos meses com indiscutível piada. Claro que também há declarações de interesses hipócritas, com o objectivo de dar alguma credibilidade àquilo que a não tem. Posto isto, quero declarar com toda a firmeza que o povo grego merece o mais mais profundo respeito. Já o merecia, evidentemente. Mas dizer não ( OXI) num referendo precedido de actos da mais execrável chantagem por parte de responsáveis ( deveriam sê-lo) de instituições comunitárias é notável. Dizer não depois de lhe colocarem ( ao povo) uma corda na garganta, como indiscutivelmente aconteceu, revela fibra digna de Ulisses e de todos os seus grandes heróis clássicos, mitológicos ou reais. Quantas vezes o mito e a realidade coexistem. No dia anterior às eleições o social-democrata e presidente do Parlamento Europeu Martin Schultz ameaçou o povo grego de que o não significaria o abandono da Europa. Fê-lo e fizeram-no tantos de forma mais dura ou mais subtil com a raiva estampada no rosto e uma aversão à democracia que deve registar-se. E que continua.. Agora sob a forma de os dez milhões de gregos terem votado contra quatrocentos milhões de europeus. A demagogia é deveras intolerável. Foi pedido a algum outro europeu que votasse o objecto do referendo grego? Algum governo europeu teve algo de aproximado a isto no seu programa?
Lembro a noite dos resultados. Espantosa toda a encenação. Alinhariam as agências de sondagens com a opinião acéfala dos credores cuja política empobreceu o povo grego em 25% do seu PIB nos últimos 5 anos? Assim parecia: de um resultado tangencial, acabámos em 62% pelo não contra menos de 38% pelo sim. Tal política acéfala empobreceu todos os povos da periferia com memorandos com a troika ou sem memorandos, como toda a gente decente e de boa fé já reconheceu. Claro que o sistema monetário europeu e a sua estrutura muito mal engendrada levou todos os periféricos a viver acima das suas possibilidades. A viver na ilusão de uma riqueza que não tinham. Grandes culpados foram os bancos ( alemães e franceses, em última análise) e até os grandes estados europeus. Quando veio a crise, foram criados os mecanismos para salvaguardar os créditos dos chamados grandes e dos seus bancos. Estima-se que só 25% dos muitos milhões emprestados à Grécia foram realmente investidos ou gastos lá. O resto foi para pagar as dívidas aos credores. O mesmo sucedeu, ainda que em menor escala, com Portugal, Espanha ( apesar de não entroikada), Irlanda, etc. Como diz Krugman, a austeridade imposta de forma acéfala e patética como sucedeu na Europa, trouxe à tona de água um neoliberalismo cego, insensível e desumano que deveria envergonhar os incompetentes que continuam a defendê-lo. Porque não resolveu e não vai resolver crise nenhuma. De resto, nem a sua receita foi bem aplicada. Onde é que a austeridade foi feita sobretudo pelo lado da despesa? Dizem as estatísticas que quem mais cortou foi exactamente a Grécia. Curioso. Quem pode resolver uma crise destruindo o aparelho produtivo, isto é, deixando de produzir?
Há um fenómeno que quero referir, para terminar: Tsipras e Varoufakis disseram sempre que Portugal e Espanha foram dos mais intransigentes nas negociações. Os respectivos ministros negaram. Com pouca convicção. Acredito em Tsipras. Sabem porquê? É um fenómeno típico de despeito e mesquinhez. A Grécia fora do euro e da UE - pensarão os despeitados - é mais dinheiro que poderá vir para os países ibéricos e não só. Pensarão assim os tacanhos, obviamente. Mas tenho para mim que se a Europa criar condições para que a Grécia se veja obrigada a abandonar o Euro e a UE, ainda se arrependerá muito. Tenho, pois, uma opinião contrária à do Senhor Giscard. E talvez à do Senhor Junker. Paciência! Também nunca fiz acordos fiscais secretos para que as grandes empresas não pagassem impostos nos países de onde retiravam os lucros. Diria nessas alturas o Senhor Junker: os pobres que paguem a crise. Foi o que aconteceu. É o que acontece.
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