O anúncio está apelativo, como convém. Uma excelente fotografia com três personagens bonitas, com ar acolhedor e responsável, cobrindo três gerações. Duas mulheres. A mais velha, de óculos e cabelo prateado, um sorriso estudado, sereno, mostrando uma dentadura muito branca e de uma regularidade impecável. Prótese, claro. Que importa? Irrepreensível, esteticamente. Adivinha-se uma blusa verde com ligeira abertura por baixo da bata branca, impecável, abotoada à frente. As mãos cruzadas e, na direita, o instrumento típico dos oftalmologistas. A segunda mulher é morena. Mais jovem, mas trintona. O sorriso é discreto e sensual. A bata branca, com cinto e abotoamento lateral. Por baixo, vê-se uma blusa azul, com discretas pregas no peito e, também, na mão direita, os instrumentos de dentista (?), ou assim assim: a escova de dentes e o espelho metálico. Está ao centro, a morena. Do seu lado direito, um homem: de gravata cor de vinho, sobressaindo na brancura da bata e estetoscópio ao pescoço. Cabelo curto e barba aparada, já branca no queixo e maxilares, bigode ainda preto. Tem um olhar fixo e inquisidor. Na mão direita, adivinham-se uns papéis, talvez exames médicos encobertos pela antebraço da mulher morena.
Aí está. A EDP Mais vende-nos agora seguros de saúde. E paga toda a página 3 do Correio da Manhã do dia 11 de Junho de 2018.
O anúncio não me espanta. Há meses ou anos talvez que deparo com anúncios da Comunidade EDP oferecendo descontos em viagens, hotéis, restaurantes, enfim, nos serviços e produtos mais insuspeitos e diversificados.
A EDP é agora presença constante. Mas a GALP e outras petrolíferas vendem jornais, revistas, chocolates, roupas, e muito nos quiosques das bombas - e não só -. Os bancos vendem jóias, faiança, talheres e também viagens, excursões etc. etc. Os CTT idem aspas. É tudo um ver se te avias.
Como é sabido, a personalidade jurídica das sociedades comercias está sujeita ao princípio da especificidade. Isto é: a lei confere personalidade jurídica a estas e outras pessoas colectivas com o objectivo específico de poderem prosseguir o seu objecto social. Nada mais do que isso. O propósito legislativo é o de lhes facultar os meios jurídicos necessários para a prossecução das actividades que constituem o seu objecto social.
Alguém concebe que a EDP tenha no seu objecto social a venda de seguros de saúde? E os protocolos ( imaginamos) com agências de viagens, hotéis, restaurantes e por aí fora?
As micro e pequenas empresas - até as médias empresas - são fiscalizadas por tudo e por nada. Mas os behemoths como bancos, petrolíferas, empresas energéticas usam e abusam da sua personalidade colectiva para fazerem dinheiro em todos os sectores, originando uma intolerável concorrência desleal e asfixia económica de todos os restantes operadores. É desolador. Os papagaios que seguram os tentáculos de Leviatã nada vêem e nada querem ver. Os danos sociais e económicos que estas atitudes ilegais e abusivas ocasionam são incalculáveis. Em bom rigor, estas ilegalidades que ninguém vê e ninguém quer ver são um atropelo gravíssimo à liberdade. Mais tarde ou mais cedo, o cidadão ver-se-á confrontado com vinculações jurídicas incontroláveis. O cidadão será cada vez mais incapaz determinar a sua vida com um mínimo de racionalidade e de liberdade. Enfim: mas quem pode competir com tais beemotes? Quem poderá pagar cursos universitários para satisfazer docências de ex-ministros? Ou viagens ao estrangeiro? Ou camarotes e bilhetes para jogos de futebol. E...? E....?
Que mundo homogéneo, feio e desinteressante vai paulatinamente formatando o nosso espírito e dominando a nossa vontade! ? Como é fácil construir a teia da servidão!
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