Dou comigo a ler este título espantosamente lúcido, no jornal i : Julguei que Ricardo Salgado fosse um banqueiro acima de qualquer suspeita. Desiludiu-me. Não sei nem estou preocupado com a exactidão da frase. Ela é atribuída pelo jornalista ao Senhor Dr. Miguel Beleza, ex-governador do Banco de Portugal. Lembram-se? O mesmo que, há anos, apreciando o comportamento do Dr. Vitor Constâncio no caso BPN, disse isto: "Vitor Constâncio fez aquilo que deveria ser feito". Agora, e uma vez mais, dá largos elogios a quem dirige o supervisor, regulador, tudo o que se queira. Ou seja, o Senhor Dr. é cego, ou julga que todos nós somos cegos. Ou então, o seu espírito de adulação é tal, que está firmemente convencido da genialidade de todos quantos ocuparam e ocupam o bendito lugar de banqueiro, de supervisor de banqueiros, etc. etc.
Terá havido, nos últimos anos, algum grande escândalo financeiro, algum caso tresandando a ilegalidade financeira de milhões, onde o BES ou alguma sociedade do Grupo não estivessem envolvidos? Tudo o que veio a lume - e não é tudo, obviamente - tem a marca do BES e do Senhor Dr. Salgado, de quem Beleza é amigo, claro está.
Usaremos a síntese do jornalista João Miguel Diogo num artigo da Visão intitulado Como o SIS podia ter ajudado o BES:
"(...) Façamos agora uma breve cronologia do caso BES. Agosto de 2005. O
"Mensalão", um escândalo de corrupção que abalou o Brasil na primeira década
deste século, traz o nome do BES na primeira página - como escreveu o DN "as
investigações envolvem a PT no Brasil e o BES, para cujas contas se teriam
transferido 600 milhões de dólares. Desse saco sairiam as avenças periódicas
pagas para comprar o apoio ao partido de Lula da Silva no poder".
E há o caso "Portucale" com o abate ilegal de sobreiros; as contas no BES do
ditador Chileno Pinochet; a Operação "Furacão", o edifício dos CTT em Coimbra, o
BESI, o BES Angola, o Submarinos, a Escom, a "comissão" dada pelo construtor
José Guilherme a Ricardo Salgado por "consultadoria" prestada em Angola pela
qual o anterior senhor do BES pagou, apenas quando confrontado, mais de oito
milhões de impostos; a inenarrável narrativa do empréstimo de 850 milhões da PT
que custou a reputação da empresa de telecomunicações portuguesa junto da
brasileira Oi. E há, claro, os financiamentos do BES na comunicação social,
feitos à Ongoing (Diário Económico) e Controlinveste (DN, JN e TSF), que desde
sempre se falou que seriam muito difíceis de rentabilizar. Mas talvez tenha sido
o poder sobre a comunicação social que fez com que, em 2012, e ainda em Junho
deste ano, a um mês da derrocada, o banco liderado por Ricardo Salgado tenha
sido o único dos três maiores bancos privados portugueses a aumentar capital
durante o reinado da troika recorrendo apenas aos acionistas e ao mercado de
capitais, sem ter recorrido ao dinheiro dos contribuintes. Muitos sinais?
Demasiados.(...)"Temos assim e sem mais considerandos porque estes trampolineiros não merecem que percamos muito tempo: ou o Senhor é cego, ou anda nas núvens, ou não vive em Portugal, ou é um bluff e não vê um boi de economia e menos ainda de ética.
Não há pachorra. Este círculo de oportunistas são como putas e clientes defendendo-se e elogiando-se uns aos outros. A imagem é de João Pereira Coutinho a propósito dos jornalistas dos vários canais de televisão que passavam e passam a vida a entrevistarem-se para promoverem reciprocamente os respectivos programas. Mas nestes figurões encartados da Banca parece que a imagem é ainda mais apropriada. Na verdade, na verdade lhe digo Sr. Dr. Beleza. O Senhor não me desilude. Nunca me desiludirá.
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