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domingo, 30 de novembro de 2014

A Cólera do Patriarca

Mário Soares no exterior do estabelecimento prisional de Évora; antes e após ter visitado o seu camarada José Sócrates. As declarações e sobretudo as imagens deste ancião foram patéticas. Mas também obscenas. E significativas. Permitem-nos entender muito do que se tem passado neste pobre País. O patriarca Soares foi e é um privilegiado. Mais. Entende que tem o dom de atribuir alguns dos seus privilégios aos camaradas que, pontualmente elege, de acordo com os humores do momento.Ficámos a saber que Sócrates foi um primeiro ministro exemplar. Ficámos a saber que isto é um caso político e que os malandros trataram o José Sócrates - uma grande figura - como um cão. Ficámos a saber que todos os socialistas estão contra esta bandalheira.
Temos de voltar ao segredo de Justiça. É espantosa a leviandade com que meio mundo- e até gente com responsabilidade - continua a ignorar que a regra, desde as alterações legislativas ao Código de Processo Penal decorrentes da Lei 48/2007 de 20 de Agosto, a regra, dizíamos, não é a de que os inquéritos decorram em segredo de justiça, mas sim que sejam públicos ( artº 86º do CPP).  Neste caso só haverá segredo de justiça durante o inquérito, se qualquer dos arguidos o tiver requerido e o Juiz de Instrução, ouvido o Ministério Público, assim decidir considerando que, da publicidade, podem decorrer prejuízos para os intervenientes processuais. Quando decidido pelo MP deve ser validada a decisão pelo Juiz de instrução no prazo máximo de 72 horas. Bolas. Porque será que toda a gente finge viver antes de Setembro de 2007? Ainda para disfarçar, ao que penso, alguns falam de fuga de informação! Como se fossem a mesma coisa.
Mas não é transparência na vida pública que todos têm defendido? Se o crime de corrupção é um dos ilícitos penais atribuídos a Sócrates e a dois outros arguidos, não seria desejável que todo o inquérito decorresse livre de qualquer segredo? Quer para uma eventual acusação, quer para uma eventual absolvição. Durante anos, muitos anos - décadas - o único crime que se cometia em Portugal era a violação do segredo de Justiça. Não estão lembrados? O maldito segredo de justiça era utilizado para tudo: para confundir os processos, para alimentar a curiosidade da comunicação social, para justificar a ineficácia das instituições, para deixar passar o que se entendia conveniente, etc. Para tudo. Em Portugal foi o  único crime que, pelo objecto ou pelos nomes envolvidos, tinham repercussão social. E talvez por isso mesmo, fosse útil a algumas pessoas deturpar, obstruir ou mesmo inutilizar inquéritos. O que nos levava a perguntar: o que se passará em todos aqueles Estados - verdadeiros Estados de Direito - onde não existe e nunca existiu esse medonho e fastasmagórico segredo de justiça? Onde a Polícia investiga, o Ministério Público acusa quando entende que tem matéria para tanto, e os Juízes julgam?
Outra questão: porque será que aqueles que vociferam contra a violação do segredo de justiça, neste caso, são os mesmos que entendem que devem ser tornados públicos os factos e as razões que levaram o juiz de instrução a decidir a prisão preventiva? Sou contra a prisão preventiva, a não ser em casos excepcionais. Já o disse, Não vou repisar esta questão. Mas a incongruência e a má fé de comentadores ou opinion makers é verdadeiramente extraordinária.
O Patriarca Mário Soares viveu sempre rodeado de privilégios. Após o 25 de Abril isto é uma verdade indiscutível. Fico-me por este período mais conhecido porque me recuso a alinhar em boatos que também circulam há décadas sobre o período anterior. Os seus mais directos apaniguados no PS foram obrigados a assumir uma de duas posições: ou prestavam vassalagem ou eram eliminados. Não mencionarei casos concretos por desnecessidade. São muitos e sobejamente conhecidos. O consulado Socrático esteve recheado de casos. Hoje ninguém duvidará do excepcional tratamento de que Sócrates beneficiou nos arquivamentos, na destruição das escutas, etc. Ficamos banzados quando ainda agora ouvimos o Senhor ex-PGR Pinto Monteiro dizer com a certeza de quem fala infalivelmente ex-catedra: o caso Freeport foi inventado. As escutas não revelavam qualquer crime. Que sumidade será esta tão conhecedora e tão infalível? Como foi possível que Portugal e a justiça tenha chegado ao estado deplorável em que se encontram quando houve gente tão sabedora e tão inteligente em lugares de tamanha responsabilidade?
Somos um dos países onde a desigualdade é gritante e obscena. Todos sabem que sem classe média não há nem pode haver desenvolvimento. Pode haver crescimento: inconsequente e sobretudo insustentável a médio prazo. Mas não haverá desenvolvimento. Nem económico, nem social. A classe média foi destruída. E continua a sê-lo. A austeridade contribuíu muito para isso. Mas já vinha de trás. Há quase uma década que nos afastamos dos parceiros europeus. Bem antes da austeridade. Não a defendemos, note-se. Entendemos, que se não criarmos riqueza, jamais pagaremos a dívida. Entendemos que a dimensão da dívida impede o desenvolvimento. Não há recursos para investimento. Ponto. Isto é uma evidência que a rapaziada, agora no poder, teima em não compreender. Ou finge não compreender.
Tal como o patriarca Soares e seus muchachos teimam em não entender que, na origem da degradação da nossa vida pública, estão a corrupção, o nepotismo, o tráfico de influências e toda a mediocridade que os partidos políticos facilitaram, fomentaram, projectaram, protegeram e continuam a proteger. Acreditar neste país é hoje um acto de muita fé. Nos partidos que nos têm governado, um masoquismo dificilmente compreensível. 

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