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quarta-feira, 27 de março de 2013

Que viva o Teatro

  1. Hoje é o Dia Mundial do Teatro. 

O Teatro também é palavra. Mas é gesto, atitude, símbolo. Como dizia o poeta da poesia, poder-se-á dizer do Teatro: cést le réel absolu. E ainda com referência à poesia e ao poeta, as palavras de Fernando Pessoa: o poeta (actor) é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
Transcrevemos o texto da actriz Judi Dench, escrito para este dia e também o do nosso Rui Mendes, escrito a pedido da Sociedade Portuguesa de Autores. Que viva o Teatro.
   O Dia Mundial do Teatro é uma oportunidade para celebrar o Teatro nas suas múltiplas formas. O Teatro é uma fonte de divertimento e de inspiração e tem a capacidade de unificar as numerosas populações e culturas existentes no mundo. Mas é mais do que isso e também oferece oportunidades para educar e informar.
O Teatro é feito por todo o mundo e nem sempre nos espaços tradicionais de teatro. Os espectáculos podem acontecer em uma pequena aldeia de África, no sopé de uma montanha da Arménia, em uma pequena ilha do Pacífico. Só precisa de um espaço e de público. O Teatro tem o dom de nos fazer sorrir, de nos fazer chorar, mas também deve fazer-nos pensar e reflectir.
O Teatro faz-se com trabalho de equipa. Vêem-se os actores, mas existe um conjunto extraordinário de pessoas que não é visto. Elas são tão importantes como os actores e são as suas competências diversas e específicas que permitem que o espectáculo aconteça. Devem receber parte do triunfo e sucesso que se espera obter.
O dia 27 de Março é a data oficial do Dia Mundial do Teatro. Mas todos os dias deviam ser considerados, de maneiras diferentes, como um dia de Teatro, pois temos a responsabilidade de continuar essa tradição de divertimento, de educação e de edificação dos nossos públicos, sem os quais nós não poderíamos existir. 
Judi Dench

A Sociedade Portuguesa de Autores pediu ao actor e encenador Rui Mendes que escrevesse uma mensagem para o Dia Mundial do Teatro.
"Apagam-se as luzes da sala. Acendem-se as luzes da cena. Entram os actores. Começa a escorrer para a plateia um caudal de sons que se transforma em ideias, de palavras vestidas de imagens, de ritmos que ressumam beleza, de corpos humanos que desenham poesia. 'A poesia ensina a filosofia' disse Aristóteles. O mesmo faz o Teatro. São coisas inseparáveis.
Há muitas formas de dar início a um espectáculo de teatro, mas só há uma de o terminar: é com a gostosa recordação do que é efémero, daquilo que durante algum tempo nos preencheu os sentidos e o espírito, e que não volta a acontecer, senão na nossa memória assim enriquecida para o resto das nossas vidas. No verdadeiro teatro este é o sentimento que, no final, une os que o fizeram àqueles que a ele assistiram. É um dos milagres do Teatro.
A palavra TEATRO, deriva do grego 'THÉATRON', 'lugar de onde se vê'. Há os que vêem e os que são vistos. Há os que ouvem e os que são ouvidos. Mas todos são feitos da mesma massa, embora de diferentes cores de pele e de cabelos, de todos os tipos de educação e de formação, com variadíssimas experiências e objectivos na vida.
E se, pelo menos na cena, todo o colectivo teatral tende a ser uma comunidade homogénea sem a qual não pode funcionar, já o mesmo se não pode dizer dos que estão na plateia. A utopia de uma sociedade igualitária, sem chocantes divisões sociais, está longe de vir a ser uma realidade palpável. É um futuro eternamente adiado.
Talvez que a permanência de problemas por resolver seja uma das nossas razões de existir, uma espécie de sal da vida. Mas persistem teimosamente dramas concretos que afligem cada vez mais os seres humanos. E não devia ser assim. O teatro que é e terá de ser sempre poesia, não pode nem deve, talvez por isso mesmo, ficar indiferente.
Num mundo cada vez mais superpovoado, permanecem os conflitos sociais, as lutas tribais, as religiões, os ódios, as guerras pelo poder, as discriminações, as economias selvagens, a fome e toda a espécie de privações forçadas. E que ninguém venha pedir contas ao Teatro e aos que o praticam, de serem culpados de alguma coisa.
Pelo contrário, o Teatro tem sido, por várias formas, uma flecha arremessada aos poderosos, um aríete apontado aos portões da crueldade, dos gananciosos, dos desonestos e dos oportunistas. O Teatro só pode ser praticado com afectividade, com a generosidade de dar e com a coragem de pugnar pelo bem. Caso contrário renega-se, abastarda-se. Por estas razões ele devia estar na primeira linha das preocupações dos governantes, que têm a estrita obrigação de o apoiar com justeza e visão. Mas até talvez seja por estas razões que eles tanto o desprezam, quando não o combatem abertamente.
Jean Paul Sartre disse numa entrevista: 'Uma peça escapa ao seu autor desde que o público está na sala.' E mais adiante: 'Em Teatro as intenções não contam. O que conta é o que sai. O público escreve tanto a peça como o autor'.
Sófocles, Gil Vicente, Shakespeare, Molière, Goldoni, Schiller, Goethe, Ibsen, Strindberg, Tchecov, Shaw, Pirandello, Brecht, Beckett, Osborne, Pinter, entre muitos, muitos outros autores teatrais, preocuparam-se e reflectiram sobre os problemas do seu tempo, que curiosamente são os mesmos de hoje. Não podemos deixá-los a falar sozinhos.
E esta obrigação envolve-nos a todos: dramaturgos, encenadores, artistas plásticos, músicos, actores, produtores e até o próprio público, sobretudo aquele que não vai ao teatro. É preciso fazer chegar o Teatro ao maior número.
Só assim será possível ajudar a mudar o Mundo. Para melhor, claro. 'Para pior já basta assim'."
Rui Mendes

domingo, 3 de março de 2013

Tão certinhos que nós somos.

A prof. Fernanda Palma mantém uma coluna no Correio da Manhã, intitulada  Sentir o Direito. Em regra, aborda questões de Direito Penal e devo reconhecer que se trata de uma coluna útil, visto que a professora utiliza uma linguagem simples e os assuntos, mais ou menos pertinentes e oportunos, são tratados com o claro propósito de esclarecer os leitores do Correio da Manhã. Hoje, a professora Fernanda Palma decidiu escrever sobre a lei 46/ 2005, ou melhor, sobre futilidades que têm vindo a público a propósito da Lei 46/2005. Sim. É a tal da limitação dos mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais. Curioso, A senhora Professora diz nada.  Decide escrever sobre uma questão de grande oportunidade e com repercussões políticas evidentes. E nada diz. Não dá a sua opinião. Não nos diz que princípios e elementos devem ser levados em conta para interpretar esta e todas as outras leis. Nada. Porquê? Conta as pequenas e ociosas histórias do "da" e do "de", como se este patético pormenor gramatical tivesse alguma importância na interpretação desta norma. Fala-nos das duas interpretações que têm vindo a público e diz-nos que ambas são possíveis. Claro que sim, senhora professora. São possíveis essas duas como outras quinhentas. Mas sabe uma coisa? Quer verdadeiramente saber? Só uma,- repito -só uma, das duas ou das quinhentas  - é científicamente correcta. Era isto que V. Exª poderia e deveria ter dito enquanto cidadã e enquanto professora de Direito. Só uma é cientificamente correcta. E é correcta aquela que respeite as regras do artº 9º do Código Civil Português, que diz isto: " artigo 9º- Interpretação da lei. 1- A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2.... 3....". Numa palavra, a ratio legis é o elemento hermenêutico determinante. O "de" ou o "da" nada significam no caso presente. Qualquer cidadão minimamente informado e conhecedor das circunstâncias que levaram à aprovação desta lei ( ocasio legis) e do propósito legislativo ( que não do legislador) sabe, lendo o artº 9º, cujo nº 1 transcrevemos, que é à presidência da câmara e da junta de freguesia ( de todas as câmaras e de todas as juntas de freguesia do País) que a lei se refere. Tanto assim é que a única proibição se reporta ao 4º mandato sucessivo ( e com a excepção de estar no 3º mandato aquando da aprovação da lei). Qualquer outra interpretação é incorrecta. é oportunista e é fraudulenta. Esperemos que os Juízes a quem já foram submetidos alguns "casos" a este respeito, tenham a coragem e o rigor de afirmar esta verdade insofismável: os "salta-pocinhas" e respectivos partidos cometem uma fraude à lei quando querem aproveitar-se do que dizem ser uma falta de clareza. Mas é preocupante e nunca deixará de ser preocupante, este temor reverencial perante o oportunismo dos partidos políticos que tudo fazem para tirar partido da má legislação que propositadamente "produzem" na Assembleia da República. É preocupante esta "descalcificação" da coluna vertebral que contaminou o País inteiro. Tal como sucede com o governo perante a troika, também pessoas com responsabilidades sociais manifestam um medo do poder que é preocupante para todos e vergonhoso para as instituições e para o Estado de Direito. Eis a primeira razão para explicar as calamidades que hoje vive a sociedade portuguesa. Tão certinhos que nós somos! Tão bem comportados! Sempre à espera das migalhas do poder! Esperava mais de uma professora da minha faculdade.