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segunda-feira, 26 de julho de 2021

O cavalo passou-lhe ao lado

Morreu ontem Otelo Saraiva de Carvalho. Em sossego posprandial comentava com amigos as notícias da noite anterior como paradigma da pobreza dos noticiários dos nossos canais televisivos: António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e um cheirinho de Olímpicos Com semelhante quietude previsional, alguém comentou logo teremos do mesmo e ainda Otelo. Na mouche, naturalmente. O rosário das originalidades rebuscadas e "inconseguidas"  cansou-me, devo confessar. Mas houve algo que retive: o pcp falou de levantamento militar e não de revolução do 25 de Abril, como é corrente. Dei comigo a quase concordar, espantado, com a semântica pêcepista. Nesse longínquo 25 de Abril de 74, os tanques do Salgueiro Maia impediu o autocarro em que eu seguia de atravessar o Terreiro de Passo. Na dúvida sobre a realidade do evento e de coração cheio de esperança da concretização efectiva da morte senil do chamado antigo regime, autoritário ditadura e outras qualificações que não fascismo, percorri Lisboa a pé da Praça do Comércio ao Saldanha, à Praça de Espanha, à então Assembleia Nacional e, naturalmente, ao Comando da GNR do Largo do Carmo. A euforia era tamanha. Mas não me toldou o Juízo. O 25 de Abril foi, militarmente, uma operação medíocre. O regime autoritário caíu de podre, como os mais avisados sabiam que cairia inevitavelmente. A maioria dos soldados que participaram no levantamento, não sabiam disparar uma arma nem sabiam ao que vinham. Garanto. Falei com dezenas de soldados nesse dia. Logo, por muito que se enalteça a operação, ela é, militarmentente, medíocre. Lembro-me de ter pensado que, com o meu pelotão da companhia de caçadores 3445, que esteve 3 anos no Norte de Angola, pregaria um sobressalto aos "revoltosos". Tínha chegado de Angola um mês e alguns dia antes. No dia 16 de Março estava em Londres ainda zonzo do contraste entre o mato e a zucrineira da civilização, e ao entrar no quarto do Hotel na Cromwel Road liguei a televisão e a primeira imagem que encheu o écran foi a do Presidente do Conselho Marcelo Caetano de dedo e riste desancando nos militares a propósito do golpe falhado. Pouco cuidado teve ou quis ter. Um mês depois, o golpe teve sucesso. Felizmente. Parece que Otelo teve um papel relevante entre os capitães. Honra lhe seja feita. Mas eu sei e toda a gente informada sabe que o levantamento do 25 de Abril pouco ou nada teve a ver com a democracia. Dos seus companheiros, poucos saberiam o que isso era a não ser muito superficialmente. Ainda hoje não sabem. Melo Antunes viria a participar no movimento tarde e não teve tempo para lhes explicar coisas mais complexas. Ficou-se pelas mais simples. O levantamento teve um objectivo: contestar a vontade de Marcelo Caetano em permitir o ingresso dos milicianos na Academia Militar. Podem gritar, podem esbracejar. O 25 de Abril foi um levantamento corporativo. O objectivo era preservar os direitos dos oficiais do quadro para quem a guerra de África nem era má, considerando os vencimentos e comparando-os com aquilo que ganhavam cá. Quem dava o coiro em África- com algumas excepções, é verdade- eram os milicianos, sobretudo alferes e furriéis. E os soldados acima de todos, obviamente.
    A revolução, ou pequena amostra de revolução subsequente deve-se à sociedade civil liderada pelo PCP e pelo PS, ou melhor, algumas pessoas no PS. O país viveu tempos bonitos durante uns meses. Mas, por vontade de Otelo, jamais haveria democracia em Portugal, como se viu nos meses que antecederam o 25 de Novembro. Otelo, enquanto comandante do COPCOM prendeu arbitrariamente, torturou ou mandou torturar centenas de cidadãos. Como é sabido, fomentaria mais tarde, e como resposta do encetado caminho para a democracia, o grupo terrorista conhecido por FP25, para se opor à democracia. Otelo,- paz à sua alma- disse que não quis montar o cavalo do poder. Na verdade quis e fê-lo da pior forma. O Cavalo que alimentou era mais uma pileca, uma azêmola que não pôde acertar o passo.Felizmente para Portugal. Voltarei ao tema. Porque de mortuis nhil nisi bonum. Lá vou eu para o politicamente correcto. Os portugueses são incorrigíveis.