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quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Assomo de dignidade


 Há dias - poucos - numa espera para audiência de partes em processo de acidente de trabalho, a conversa com a senhora procuradora adjunta resvalou para o estado da Justiça". Até "porque ela só estava ali a fazer um pézinho. Era do DIAP. "Justiça" vai entre aspas porque o caso é sério. Dei comigo a comentar que  um país onde alegadamente uns senhores desembargadores vendem acórdãos e cujos processos não atam nem desatam, ao mui particular gosto português não pode ser considerado um Estado de Direito. É um país nas ruas da amargura. Curiosamente, a notícia mais importante de ontem ( 03.12.2019) foi a de que o Conselho Superior da Magistratura decidiu aplicar a pena de expulsão ao Senhor Desembargador Rui Rangel, indiciado por vários comportamentos impróprios designadamente o de corrupção. No processo disciplinar. Antes mesmo da acusação formal no processo crime. À sua mulher Fátima Galante foi aplicada a pena de aposentação compulsiva. Mantém, pois, a maior parte dos seus direitos. Julgo que a alegada corrupção da Drª Fátima Galante não é primária. Há uns anos terá havido uma denúncia por um advogado e uma condenação....mas uma absolvição no STJ. Como é peculiar por cá, o advogado acabaria por ser mais tarde condenado por difamação na sequência da queixa da Senhora Desembargadora, Juíza de Direito à época. Enfim. Para dizer que as mencionadas decisões do CSM não são coisa de pequena monta, face ao que se tem visto em Portugal. Visto e revisto como as taxas de Justiça. Curiosamente, parece que a maioria dos membros do Conselho não magistrados ( eleitos e nomeados pela AR e PR) não estiveram presentes. Para reflectir. A propósito do litígio recente (?)  no Conselho Superior do Ministério Público. 
Esta manhã, os órgãos de comunicação social davam grande destaque às decisões do CSM - naturalmente - mas lá avançavam mais uma notícia que abre outro buraco no sistema de Justiça. Um Senhor empresário de Viseu comprava informações e favores a um Senhor Juíz do Tribunal Administrativo de Aveiro. Só o dianho! Ainda assim, eu tiro o chapéu aos membros do Conselho Superior da Magistratura. É um assomo de dignidade que se louva. Mas deixa-se uma pergunta. Os acórdãos são decisões colectivas. São assinados por três desembargadores. Como diria o Zé brasileiro: Cadê os outros?









domingo, 8 de setembro de 2019

Nau Catrineta

Dizem os mentideros que a Cat´rina Martins não viu outra forma de expressar a sua aversão às barragens senão culpá-las de participarem no excesso de consumo de água pela evaporação. É justo. Barragens, albufeiras e outros reservatórios quejandos são um grande problema ambiental. Fora com elas. Não vale a pena sorrir à socapa. A Dª Catarina tinha bem presente as imagens aterradoras do rompimento em Mariana ( 2015) e Brumadinho, mais recentemente. A evaporação não foi a responsável? Tretas. Vale o mesmo. No Brasil, como em Portugal e em todo o lado, resultado da exploração mineira ou tendo a produção electrica como objectivo, essas monstruosidades só servem o grande capital, como se vê pela brasileira Vale ou pela EDP portuguesa.  Perdão. Chinesa. Que alguém lembre isto à Dª Catariana. Mas enfim. O capital não tem pátria, como todos sabem, e a Dª Catarina melhor que ninguém. 
Por isso, continuam os mentideros, ela não admite que Portugal possa transformar-se num Luxemburgo, numa Holanda ou numa Irlanda. Pobres deles. Há tempos, - recentes - Portugal não era a Grécia. Agora, a Dª Catarina tudo fará para que Portugal nunca seja um dos mencionados países terceiro-mundistas. Nós sabemos que ela é obstinada. De nada valerá lembar-lhe que o Luxemburgo tem o maior PIB europeu. Que lá vive uma comunidade portuguesa de considerável dimensão. Ao ponto de se falar português no Parlamento.  A Holanda é uma sociedade aberta e tolerante, ao que dizem. Ah! bom, diria a Dª Catarina. Mas não tentou apoderar-se de parte do Brasil? Pouco importa que tenha sido há muito ou pouco tempo. Tem água a mais. Logo, a evaporação aí deve ser um pandemónio. Tal como na Irlanda. 
- Mas a República da Irlanda é o grande sucesso dentro da União Europeia.
- Por isso mesmo, responderia a Catarina. Toda a gente sabe que a União Europeia é um dos reservatórios do capitalismo internacional que oprime portugal e os seus trabalhadores. E não só. Não é exemplo para ninguém. Perguntem ao Johnson, dito Boris. Ele é que sabe. Ele e os capangas que querem mandar a União Europeia às urtigas. Nisso, a Dª Catarina, o Sr. Jerónimo, O Nigel Farage, o Victor Orbán, o Salvini e até o Mário Machado, provavelmente, estarão todos de acordo.
E siga a banda. Ou melhor a nau catrineta, porque de água se fala, e na água Portugal se afunda alegremente em tempo de seca.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Honni soit qui mal y pense.

O Senhor Desembargador Manuel Ramos Soares é o actual Presidente de uma associação que dá pelo nome de ASJP. Comporta-se como um sindicato, sem assumir frontalmente essa qualidade. Consideramos essa associação uma aberração em qualquer Estado de Direito. Mas o que motiva este nosso humilde texto são declarações do Senhor Desembargador. Entrevistado pela jornalista Ana Henriques terá afirmado (i) que as execuções são actualmente o  cancro do nosso sistema judiciário. O cancro resultaria da perda de poderes dos juízes em resultado das reformas processuais. É verdade que as execuções são dos maiores cancros do sistema. Estão na origem de incompetências várias, de constantes abusos de poder por parte dos Senhores Agentes de Execução ( AE's ), de tropelias e expedientes para defraudar a Lei e até de corrupção manifesta. Alguns casos têm vindo a público. Mas esquecem rapidamente, como é regra neste país de memória curta. Mas os Senhores Juízes de execução contribuem diariamente para a manutenção e alastramento do carcinoma. Não respondem a tempo e horas às solicitações das partes. Não respondem de todo, as mais das vezes. Os AE's sentem-se por isso em roda livre. E impunes. Os Senhores Juízes de Execução não exercem sequer os poderes que a Lei lhes confere. E gostam de não os exercer.  Assim parece, pelo menos. Por isso dissemos que, com o seu dolce far niente ou molto vicino, contribuem decisivamente para o carcinoma e correspondentes metásteses. (ii) Mais afirma o Senhor Desembargador que o actual primeiro ministro é o culpado pelas criticadas decisões judiciais que suspenderam a  execução da pena de prisão em casos de violência doméstica. Não há cão nem gato que não opine em casos agora tão mediáticos. O actual primeiro ministro era ministro da Justiça quando o Código Penas foi alterado e a sobre-dita possibilidade de suspensão passou de três para cinco anos. Custa-me muito defender o então ministro da Justiça. O Legislador, enfim. Que tem costas larguíssimas. Esta alteração, como outras, veio apenas dar maior margem de decisão aos Senhores Juízes. Pressupôs-se assim, no julgador, estofo intelectual, cultura e capacidade de avaliação dos casos concretos. Mas o legislador nada impôs. Limitou-se a confiar na correcção de cada decisão em concreto. Ter-se-á enganado? Quem também se enganou involuntária ou deliberadamente foi o Senhor Desembargador, uma vez mais, quando diz que a possibilidade de suspensão da execução das  penas prevista na nossa legislação é a mais generosa ou permissiva da Europa. Há legisladores europeus que confiam ainda mais nos Juízes do que o nosso. A Irlanda parece permitir a suspensão em todos os casos, não enquadrando a medida por uma pena máxima em abstracto. Enfim, valerá sempre o bom senso, a ponderação e o estofo intelectual dos juízes. Honni soit qui mal y pense. (iii)  Um brevíssimo apontamento, finalmente, para a negação, por parte do Senhor Desembargador, da insinuação ou afirmação expressa, atribuída a Rui Rio, de que os juízes estão fechados no seu corporativismo. Também aqui é muito a contragosto que dou razão a Rui Rio. Por muito que custe ao Senhor desembargador ou aos Senhores juízes, em geral, alguém em Portugal terá dúvidas de que o sistema de governo das magistraturas é corporativo? Altamente corporativo? O argumento de que o Conselho Superior da Magistratura tem uma maioria de elementos não juízes é risível. Hilariante, ouso dizer. Não há qualquer outro caso mais flagrante de corporativismo do que a redoma organizativa  em que vivem os magistrados em Portugal. Seria fastidioso enumerar casos concretos que, infelizmente, materializam aquilo que é do conhecimento de todos.